Em um país em que 20% das mulheres em idade acima de 16 anos já foram vítimas de agressão, física ou moral – e em que, em 10% desses casos, a agressão tenha sido espancamento ou tentativa de estrangulamento (1) –, não é de causar surpresa que o legislador tenha se preocupado em criar uma norma específica para lidar com o problema (no caso, a Lei Federal 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha). Lembremos que o Brasil possui 75 milhões de mulheres naquela faixa etária.
O problema ganha contornos ainda maiores de tragédia na medida em que, segundo o mesmo levantamento, quase 80% das vítimas conheciam o seu agressor e mais da metade não procurou qualquer autoridade. Portanto, com absoluta certeza, quando falamos em violência contra a mulher, falamos em violência doméstica – e quando falamos em violência doméstica, falamos em dependência química (d.q.). Fiquemos, por ora, apenas com a palavra da Juíza titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar de Fortaleza-CE, Dra. Rosa Mendonça: ela afirma que a d.q. está em 90% dos casos.
O fato é que o Judiciário, quando provocado, não hesita em aplicar as medidas cautelares previstas naquela lei. E, aqui, cumpre fazer um esclarecimento: medidas cautelares (como é o caso das medidas protetivas) são aquelas tomadas ao início de um processo ou de uma investigação, com o objetivo de, em face da urgência de uma situação de perigo, evitar-se um mal maior e adotar-se uma providência imediata.
Nelas, não cabe provar se a ameaça ou agressão foi real ou imaginada, se o tal agressor se encontrava ou não na plenitude de suas faculdades mentais ou se ele merece ser preso ou encaminhado a uma clínica psiquiátrica (matérias, estas duas últimas, rotineiramente alegada nos processos que envolvem a d.q.) – questões que serão discutidas ao longo de um processo judicial que durará anos. Cabe, aqui, apenas apontar indícios sérios da ameaça (que pode ser, inclusive, a violência moral) – e a palavra da vítima tem papel preponderante, visto que, dada a dinâmica da violência doméstica, não é incomum a ausência de outras testemunhas.
Dentre as medidas protetivas autorizadas em lei, destaca-se a imposição ao agressor do afastamento geográfico tanto da residência quanto do local de trabalho da vítima. A consequência legal do eventual descumprimento é severa: a prisão.
Para requerer uma medida protetiva, é preciso se dirigir ao Ministério Público ou a uma delegacia de polícia. Eis uma situação em que o Judiciário, definitivamente, não está preocupado com a formalidade burocrática – e os tribunais têm admitido as medidas protetivas constantes das Lei Maria da Penha até mesmo para homens idosos (isto é, para os com mais de 60 anos de idade).
Infelizmente, em exame da matéria que fizemos junto ao banco de dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, constatamos que uma situação corriqueira nesses processos é o do(a) filho(a), dependente químico(a), que ameaça, agride ou rouba seus pais e irmãos na busca por dinheiro para… Bem, nós sabemos para quê.
Não, não é agradável precisar se socorrer dessas medidas legais. Porém, sabemos que um primeiro passo para ajudar aqueles que amamos, além de respeitarmos a nós mesmos, é preservar a nossa própria vida – e mostrar a quem amamos que ela precisa ser respeitada.
Por Paulo Leme Filho, Voluntário do AE.
Fontes:
(1) https://veja.abril.com.br/brasil/datafolha-274-das-mulheres-relatam-agressoes-metade-nao-denuncia/
(2) http://www.justificando.com/2017/02/24/rede-de-apoio-ajuda-combater-violencia-domestica-relacionada-ao-alcoolismo/