Quando se fala em dependência química – e, em especial, do alcoolismo –, muitos mitos são espalhados. São ideias distorcidas, daquelas que pioram o que já é ruim.
Um desses mitos é o de que seria preciso falar sobre alcoolismo aos adolescentes – e me lembro de uma recente campanha publicitária da Diageo (a maior fabricante de destilados do planeta, dona da vodka Smirnoff e o do uísque Johnny Walker), cujo título era “Meu filho fez 18 anos, e agora?”.
Resolver tocar nesse tema junto ao um adolescente é atitude tardia e obsoleta.
Se considerarmos apenas os jovens que frequentam uma universidade (ou seja, pessoas que, na grande maioria, não pertencem às camadas mais carentes da população brasileira), o início da vida alcoólica, em média, se dá aos 12 anos de idade(1). Repito: em média.
Para saber disso, nem seria necessário consultar pesquisas acadêmicas. Quem lida com o tema na prática sabe bem dessa realidade.
Lembro-me, por exemplo, de um encontro de que participei na companhia do querido amigo Miguel Tortorelli, junto a uma escola de classe média da cidade de São Paulo, em que conversamos com mais de uma centena de crianças entre 10 e 14 anos de idade. Quando perguntamos quem ali, de um modo ou de outro, já havia entrado em contato com o álcool, foi fácil constatar que mais de 80% levantou a mão. E mais: escolhi, aleatoriamente, 5 delas e todas, sem exceção, disseram o início se deu no âmbito da própria família.
Podem se preparar: as campanhas publicitárias que fazem a conexão direta entre álcool e felicidade jovial virão com tudo. A AB Imbev, versão global da nossa campeã nacional Ambev, esgotou o modelo de fazer lucro na base da aquisição de concorrentes e rigoroso cortes de gastos. Agora, será necessário melhorar o balanço na coluna das receitas e a ordem do dia será “convencer as pessoas a beber mais” (2).
Observar que mais de 10% dos que entrarem em contato com o álcool desenvolverão a doença do alcoolismo, falar sobre os comportamentos de risco associados ao consumo do álcool ou informar que, iniciada a jornada alcóolica, a próxima via a seguir é o contato com outras drogas (lembremos do invencível mar de lama do crack, que destrói a tudo e a todos), gostemos ou não, é assunto a ser abordado junto a crianças – não apenas a adolescentes.
Esse é um conceito, no entanto, que a sociedade, como um todo, ainda precisará comprar – e supor algo diferente é outro mito que só irá atrapalhar.
Fontes:
- “I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras” – CIEE – Centro de Integração Empresa-Escola e Secretaria Nacional de Política sobre Drogas, 2.010.
- Valor Econômico, 29.01.19, “Sem um grande negócio, AbInbev se desvaloriza”
Por Paulo Leme Filho, Voluntário do AE, Grupo Cristo Rei.