As Politicas Públicas têm enorme impacto no aumento ou redução do consumo de substâncias psicoativas, por isso, devem ser cuidadosamente planejadas. Mesmo com políticas consideradas “bem sucedidas”, como a do tabaco no Brasil, os índices de consumo ainda são altos (aproximadamente 20% da população adulta) e muito superiores ao atual uso da maconha, trazendo significativos prejuízos para a saúde, custos sociais e mortes. O cenário não é muito diferente no que tange à licitude das bebidas alcoólicas, que estão associadas à praticamente metade da maioria das mortes violentas. Contudo, a arrecadação de impostos é menor que um terço do que é gasto em tratamento e outras medidas para minimizar esses efeitos colaterais.
Nos últimos anos, com frequência, a mídia leiga e a ciência divergem em relação aos benefícios e malefícios oriundos da maconha. Circula entre meios midiáticos uma série de relatos anedóticos sobre as vantagens de legalizar o seu consumo. Na verdade, há grandes investidores atuando nesse sentido e inúmeros analistas projetam grande lucratividade nesse mercado, já se falando em “corrida do ouro” nos Estados Unidos (EUA). Empresas atuam agressivamente no mercado americano para difundir a maconha através da manufatura de inúmeros produtos, inclusive bebidas e guloseimas. Costuma-se dizer que a
legalização desses produtos privatiza os lucros e socializa os custos. O aumento dos acidentes de trânsito seria um deles.
Sobre o uso medicinal, ainda existem dados bastante tímidos para apoiar essa ideia. As evidências mais robustas sobre benefícios médicos da maconha se restringem a poucos sintomas relacionados a doenças graves, porém, muitas vezes, ainda são menos efetivos quando comparados a outras medicações mais seguras. Vários desses benefícios estão relacionados apenas ao Canabidiol, que costuma estar presente em pequenas quantidades na maioria dos cigarros de maconha, e pode ser utilizado de forma isolada. Não há também evidências sólidas de um caso de um país bem sucedido de legalização da maconha, no sentido de grande redução no tráfico e/ou criminalidade; pois são fenômenos complexos e com causa multifatorial.
Além disso, é impossível comparar as repercussões da legalização entre um país como o Brasil com países de primeiro mundo, em função das diferenças econômicas, sociais, geográficas e culturais, que envolvem também maiores índices de corrupção e impunidade. Importantes estudos americanos demonstram que a legalização diminui a percepção de risco em adolescentes em relação à maconha, apesar de estar claro que ela está associada a uma série de prejuízos cognitivos, de desempenho acadêmico e profissional, além de desencadear transtornos aditivos, ansiosos e psicóticos, entre outros. Nesse caso, os indivíduos mais jovens e com maiores vulnerabilidades sociais e psiquiátricas podem ser os mais prejudicados.
Outra preocupação de organizações governamentais americanas é a chamada maconha de alta potência, e já estão monitorando a sua distribuição e efeitos, como intoxicações que antes eram incomuns. Nos EUA, por exemplo, após o incremento das políticas liberalizantes, o nível de THC praticamente triplicou, o que também aumenta o potencial dependógeno dessa droga e seus danos. Apesar da repressão ter um impacto positivo na acessibilidade à droga, investimentos maiores devem ser direcionados à redução da demanda, ou seja, educação, prevenção, tratamento de saúde e reinserção social.
Somente dessa forma abrangente de enfrentamento e cuidado, pode-se reduzir problemas desencadeados pela maioria dos chamados transtornos comportamentais relacionados ao consumo dessa droga.
Por Felix Kessler, Psiquiatra, PhD, Professor da UFRGS; e Nino Marchi, Psicólogo, Mestrando em Toxicologia na UFRGS.
Artigo publicado na edição de Março/2017 da REVISTAE