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Post: Obrigatória em crimes com drogas, ‘pena-terapia’ é exceção na Justiça

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Uma vez por mês, 50 pessoas, em média, se reúnem no Fórum de Santana, zona norte de São Paulo. Todos cometeram crimes de menor potencial ofensivo, como porte de drogas ou agressões motivadas pelo uso de álcool. Ali, são obrigadas a assistir a palestras de grupos de autoajuda como A.A. (Alcoólicos Anônimos), N.A (Narcóticos Anônimos) e Amor Exigente. Para algumas dessas pessoas, não vai dar em nada. Para outros, é só o primeiro passo previsto pelas medidas da Justiça Terapêutica –que os ajudará a se livrar dos problemas que os levaram até lá. É um processo previsto em lei, com oportunidade de tratamento, mas ainda longe de ser regra na maioria das cidades e Estados.

Essas alternativas às tradicionais penas de prestação de serviços comunitários e à multa existem desde 2006, com a entrada em vigor da lei que instituiu o Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas). Mas, quando empregadas, muitas vezes dependem do voluntarismo de promotores e magistrados, sem o incentivo de uma regra ou programa nacional claros. Em São Paulo, por exemplo, apesar de utilizado nos fóruns de Santana (na zona norte), Ipiranga (sul), Barueri, Mairiporã (Grande SP) e São José dos Campos (interior), o modelo não é seguido na maioria das cidades. Estados como Rio Grande do Sul, pioneiro no uso dessas medidas, e Goiás já têm modelo bem estruturado. Outros, como CE, DF, MG, MT, PE, PR, RJ e RN, também empregam as medidas da Justiça Terapêutica. Cada um à sua maneira, e, em alguns lugares, com nomes diferentes.

Os tratamentos nesses casos são feitos em centros de atenção psicossocial e em parceria com grupos, sem quaisquer custos para o Ministério Público ou para os Tribunais de Justiça. “Não cobramos nada e não aceitamos doações”, afirma Pedro (nome fictício) membro do N.A., em São Paulo.

‘RESISTÊNCIA’

Durante dez anos, o procurador de Justiça Mário Sérgio Sobrinho, coordenador de políticas sobre drogas do governo de São Paulo, trabalhou no fórum de Santana, na zona norte com um programa de Justiça Terapêutica, antes mesmo da entrada em vigor dessa lei. Para ele, ainda é preciso percorrer um longo caminho de conscientização entre juízes e promotores sobre essa possibilidade, mas nos locais em que os programas foram implantados já há resultados. “[Antes] esses casos podiam ser resolvidos com multa ou prestação de serviços, sem que se tocasse efetivamente no problema [do usuário de drogas]. Se não olharmos para a questão do álcool e das drogas, não vamos dar oportunidade para que se busque atendimento”, diz.

Em Goiânia, a Justiça Terapêutica tem campo maior. “Em qualquer crime pode ser empregado. Desde que o réu tenha problemas com drogas e esteja respondendo em liberdade”, diz a magistrada Maria Umbelina Zorzetti, coordenadora de programa que existe há cinco anos com uma equipe multidisciplinar. Segundo a juíza, no entanto, “o maior problema é a dificuldade do Judiciário em contratar profissionais para o atendimento”, afirma. Em Fortaleza, a promotora de Justiça Ana Cláudia Carneiro, da 15ª Promotoria de Justiça do Juizado Especial Cível e Criminal, diz que o tratamento deveria ser a medida preferencial, mas que muitos colegas ainda não veem dessa forma. “Alguns entendem que só é cabível a punição, mas não é”, afirma. Para ela, multa e prestação de serviços nesses casos, além de não recuperar o infrator, também têm problemas para serem aplicadas.

EX-­VICIADO

Antônio, nome fictício, recebeu três opções do juiz: dois anos de pagamentos de cesta básica, um ano de serviço comunitário ou seis meses de comparecimento semanal em algum grupo de ajuda mútua para se livrar do vício em álcool e drogas. Agarrou­se a esta última, afinal era a menor e “mais leve” das penas. Aos 22 anos, acabara de se envolver em um acidente ao dirigir embriagado. “Bebia e usava drogas todos os dias”, diz. Pouco antes de optar pelo A.A., ele foi obrigado a assistir a uma apresentação desse e de outros grupos. “Eu peguei o panfleto e joguei na primeira lata de lixo que encontrei”, afirma. Eliseu, nome fictício, 44, abusou do consumo de drogas durante quase 20 anos. Preso em 2012, com 13 pinos de cocaína, recebeu as mesmas opções. Em vez do A.A., no entanto, escolheu o N.A., (Narcóticos Anônimos). “Não acreditava, mas era melhor do que as outras opções”, diz.

Os dois não se conhecem, mas tiveram trajetórias semelhantes. Abuso de álcool e drogas durante anos e problemas com a Justiça que os levaram ao Fórum de Santana, na zona norte de São Paulo. As semelhanças continuam: mesmo sem acreditarem nas possibilidades que lhes foram dadas, ambos estão em recuperação –eles nunca se dizem curados–, mantiveram­se longe de novos problemas legais e passaram a auxiliar na recuperação de outros usuários. “Se não fosse por ter decidido ir, de verdade, ao A.A., estaria preso ou morto”, afirma Antônio, que chegou a morar na rua, mesmo tendo casa e uma família que o apoiava e dava suporte. “Passava uma semana na rua e voltava em uma situação deplorável. Nunca vou esquecer a forma como minha mãe falava.”

FAMÍLIAS NO PROCESSO

Característica desses programas é o envolvimento das famílias dos usuários de drogas com o processo de recuperação, explica o vice­presidente da Federação Amor Exigente, Miguel Tortorelli. Ele prega que os parentes devem oferecer suporte, mas não “passar a mão na cabeça” do viciado. Uma vez por semana, o grupo promove reuniões com os pais e parentes dos usuários de drogas e de álcool encaminhados pelo programa de Justiça Terapêutica do Fórum de Santana. Nesse fórum, mais de 1.500 pessoas já foram encaminhadas a esses grupos, com resultados que chegam a 50% de recuperação para os que cumprem o programa. “O envolvimento da família é fundamental. Tentamos mostrar a postura que devem ter com os filhos: ‘te amo, mas não concordo com o que você faz”, afirma Tortorelli. Presidente da Associação Brasileira de Justiça Terapêutica, Ricardo de Oliveira Silva afirma que o objetivo não é apenas promover a recuperação e a saúde do infrator, mas quebrar a lógica do cometimento de crimes motivados pelo uso de drogas ou para sua obtenção. “Todos os dias, juízes e promotores de Justiça têm em suas mesas esse dilema, de simplesmente punir ou de dar a possibilidade de tratamento”, afirma.

Fonte: Folha de S. Paulo

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